Ciência & Inovação: Embrapa quer Explorar o Potencial Medicinal e Industrial da Cannabis
Desvendando a genética da cannabis: Como a Embrapa pretende revolucionar a pesquisa agropecuária no Brasil?
Por mais de 12.000 anos, a cannabis tem oferecido à humanidade alimento, fibra, medicina, experiências psicodélicas e fundamentos ancestrais para a espiritualidade. Os [fito]canabinoides, substâncias medicinais ativas produzidas pela planta, interagem com os receptores de proteínas do sistema endocanabinoide do corpo de mamíferos. Diferentes variedades de cannabis possuem composições químicas distintas que manifestam no corpo do paciente uma ampla gama de efeitos, efeitos esses objeto de estudo da farmacologia. Portanto, compreender a química interna da cannabis permite que tanto pacientes quanto entusiastas do uso recreativo possam utilizar a planta e os tratamentos à base de cannabis de maneira mais eficiente, o mesmo raciocínio se aplica à cannabis para fins industriais que pode ser eficiente para as desafiadoras questões climáticas e sócio-ambientais.
Fundamentos para a produção de cannabis no Brasil
A Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), vinculada ao Ministério da Agricultura e Pecuária, ícone de inovação e excelência na agropecuária brasileira. Fundada em 1973, tem como missão desenvolver tecnologias avançadas para a agricultura e pecuária tropical, promovendo a segurança alimentar e a liderança do Brasil no mercado global de alimentos e fibras. Em sua mais recente iniciativa, a Embrapa se prepara para explorar um novo território sob a perspectiva das variações genéticas da cannabis. A pesquisadora brasileira Beatriz Marti Emygdio da Embrapa Clima Temperado, envolvida na liderança desse projeto, nos conta como este esforço visa não apenas expandir as fronteiras da ciência agropecuária, mas também estabelecer os fundamentos para a produção de cannabis medicinal e industrial no país, que virá, por sua vez, em boa hora.
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Confira a seguir nossa entrevista exclusiva para saber como a Embrapa planeja transformar o setor e impactar positivamente as políticas públicas e regulamentações relacionadas à cannabis no Brasil.
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IH Repórter: Quais são os principais objetivos da Embrapa ao pesquisar variações
genéticas da cannabis?
genéticas da cannabis?
Dra. Beatriz Marti Emygdio: A C.sativa é uma espécie que apresenta grande variabilidade genética em todas as suas características. Visando o desenvolvimento de cadeias produtivas nacionais, características ligadas aos quimiotipos e sensibilidade ao fotoperiodo, se tornam especialmente importantes. A primeira define a finalidade de uso de uma determinada cultivar. Materiais dos quimiotipos I, II e III se destinam à produção de canabinóides, podendo ser de uso medicinal ou recreativo, em função do teor de THC (canabinóide com propriedade psicoativa). Já os materiais de quimiotipos IV e V se destinam à produção de fibras, para uso industrial. A segunda característica, sensibilidade ao fotoperiodo, é a chave para o cultivo de cannabis no Brasil, considerado a descentralização da produção para diferentes regiões. O desafio da Embrapa é desenvolver cultivares competitivas, com elevada produtividade e estabilidade de produção, tendo em vista que o teor de canabinóides é altamente influenciado pelas condições climáticas e de fotoperiodo. O Brasil apresenta grande variação nesse sentido. Adaptar e desenvolver cultivares de cannabis de diferentes quimiotipos, responsivas aos diferentes regimes de fotoperiodo do país, para cultivo em regiões tropicais e subtropicais, para atender os diferentes segmentos, é o nosso principal objetivo e nosso maior desafio.
" O desafio da Embrapa é desenvolver cultivares competitivas, com elevada produtividade e estabilidade de produção, tendo em vista que o teor de canabinóides é altamente influenciado pelas condições climáticas e de fotoperiodo. O Brasil apresenta grande variação nesse sentido."
IH Repórter: Como a pesquisa da Embrapa pode contribuir para a produção de cannabis medicinal e industrial no Brasil?
Dra. Beatriz Marti Emygdio: A Embrapa tem a missão de viabilizar soluções de pesquisa, desenvolvimento e inovação para a sustentabilidade da agricultura, em benefício da sociedade brasileira. Apresenta 50 anos de experiência em pesquisa agrícola e está presente fisicamente em todas as regiões brasileiras. Possui 43 unidades de pesquisa, com amplo quadro de pesquisadores nas mais diversas áreas. Também possui uma ampla gama de parceiros do setor público e privado. Portanto, a Embrapa possui know-how, expertise e networking para desenvolver as bases científicas e tecnológicas nas diversas áreas (cultivares, sistemas de produção e tecnologias pós colheita), necessárias para subsidiar o estabelecimento de cadeias produtivas nacionais competitivas,sustentáveis, inclusivas e descentralizadas. As pesquisas da Embrapa também podem subsidiar políticas públicas e aspectos regulamentares, contribuindo para o desenvolvimento e aprimoramento dos marcos legais, necessários para regulamentação do cultivo de cannabis no Brasil.
IH Repórter: Quais são os principais desafios regulatórios que a Embrapa enfrenta para obter a autorização da Anvisa para o plantio decannabis?
Dra. Beatriz Marti Emygdio: Acreditamos não haver entraves regulatórios, tendo em vista a existência de previsão legal para execução de pesquisa com cannabis, em território nacional, para fins medicinais ou científicos, conforme prevê a Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006). Talvez o maior desafio, não só para Embrapa, mas para todas as instituições nacionais que realizam pesquisas com cannabis, seja administrar o tempo e questões burocráticas para o desenvolvimento dos projetos, tendo em vista que a legislação prevê que o plantio, cultura e colheita, para fins científicos, sejam estabelecidos em locais e prazos predeterminados. Esses aspectos engessam o desenvolvimento de algumas ações de pesquisa. Além disso, projetos de melhoramento genético, por exemplo, são projetos contínuos, de longo prazo. Trabalhar com prazos predeterminados será um desafio.
IH Repórter: De que forma a Embrapa pretende garantir a sustentabilidade ambiental no cultivo de cannabis? A Embrapa terá seu próprio cultivo?
Dra. Beatriz Marti Emygdio: A Embrapa não terá cultivos com propósitos comerciais. Os cultivos da Embrapa serão restritos a parcelas e unidades experimentais, com objetivo exclusivo de desenvolvimento de pesquisa científica. A sustentabilidade ambiental no cultivo de cannabis poderá ser assegurada mediante uso de tecnologias sustentáveis, cultivares adaptadas e pouco exigentes no uso de insumos, zoneamento de risco climático para as diferentes regiões brasileiras, adoção de sistemas produtivos agroecológicos e aproveitamento dos coprodutos das indústrias de produção de cannabis medicinal e industrial. Esses são alguns exemplos de como a Embrapa, por meio de sua pesquisa científica, poderá contribuir para a sustentabilidade dessas cadeias produtivas.
"No segmento medicinal houve a regulamentação do uso de produtos à base de cannabis, mas não houve a regulamentação do cultivo."
IH Repórter: Quais são os potenciais benefícios econômicos para o Brasil com a legalização do cultivo de cannabis para fins medicinais e industriais?
Dra. Beatriz Marti Emygdio: No segmento medicinal houve a regulamentação do uso de produtos à base de cannabis, mas não houve a regulamentação do cultivo. Com isso, o Brasil se tornou um grande importador de produtos e matérias primas de cannabis para uso medicinal. O alto custo desses produtos importados têm inviabilizado o acesso para maioria dos pacientes e usuários, como também tem onerado o governo brasileiro com o crescente fornecimento público desses medicamentos, à base de cannabis, pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Isso gera dependência externa e afeta a soberania nacional. A legalização do cultivo no país permitiria o desenvolvimento de cadeias produtivas nacionais, inclusão socioprodutiva, desenvolvimento e competitividade da indústria nacional de medicamentos e fitofármacos, redução do custo dos produtos derivados de cannabis, geração de emprego e renda e redução da atual dependência externa. No segmento industrial não é diferente. Inúmeros países têm investido esforços no desenvolvimento científico e tecnológico para o setor. A produção de cannabis com finalidade industrial, tem aplicação em diversos setores da economia, como indústria têxtil e de celulose, indústria de bioplásticos, construção civil, cosméticos, alimentos, entre tantas outras. A legalização do cultivo controlado de cannabis para fins industriais permitiria o desenvolvimento de diversos setores e beneficiaria a própria agricultura, já que o cultivo de cannabis é uma excelente alternativa para rotação de culturas, recuperação de áreas degradadas ou mesmo para uso na fitorremediação de áreas contaminadas.
"...o Brasil se tornou um grande importador de produtos e matérias primas de cannabis para uso medicinal. O alto custo desses produtos importados têm inviabilizado o acesso para maioria dos pacientes e usuários, como também tem onerado o governo brasileiro com o crescente fornecimento público desses medicamentos, à base de cannabis, pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Isso gera dependência externa e afeta a soberania nacional."
IH Repórter: Como a Embrapa planeja colaborar com outras instituições de pesquisa e o setor produtivo na pesquisa e desenvolvimento da cannabis?
Dra. Beatriz Marti Emygdio: As diferentes unidades da Embrapa possuem suas redes de parceiros públicos e privados já consolidadas que poderão atuar de forma complementar no desenvolvimento de tecnologias para as cadeias produtivas de cannabis medicinal e industrial. Além disso, a Embrapa coordena o Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária (SNPA), constituído pela Embrapa, pelas Organizações Estaduais de Pesquisa Agropecuária (Oepas), por universidades e institutos de pesquisa de âmbito federal ou estadual. Essa é uma rede que deverá ser fortalecida para atuar no desenvolvimento conjunto de pesquisas, tecnologias e inovação envolvendo a espécie C.sativa. A Embrapa também oferece, em sua estrutura programática, a possibilidade de desenvolvimento de projetos em parceria com o setor produtivo. Nessa modalidade, ambas instituições aportam recursos e correm riscos, visando o desenvolvimento de produto(s) e ou processo(s)de interesse comum.
IH Repórter: Como a Embrapa planeja colaborar com outras instituições de pesquisa e o setor produtivo na pesquisa e desenvolvimento da cannabis?
Dra. Beatriz Marti Emygdio: As diferentes unidades da Embrapa possuem suas redes de parceiros públicos e privados já consolidadas que poderão atuar de forma complementar no desenvolvimento de tecnologias para as cadeias produtivas de cannabis medicinal e industrial. Além disso, a Embrapa coordena o Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária (SNPA), constituído pela Embrapa, pelas Organizações Estaduais de Pesquisa Agropecuária (Oepas), por universidades e institutos de pesquisa de âmbito federal ou estadual. Essa é uma rede que deverá ser fortalecida para atuar no desenvolvimento conjunto de pesquisas, tecnologias e inovação envolvendo a espécie C.sativa. A Embrapa também oferece, em sua estrutura programática, a possibilidade de desenvolvimento de projetos em parceria com o setor produtivo. Nessa modalidade, ambas instituições aportam recursos e correm riscos, visando o desenvolvimento de produto(s) e ou processo(s)de interesse comum.
IH Repórter: Quais são as expectativas da Embrapa em relação ao impacto social das suas pesquisas com cannabis?
Dra. Beatriz Marti Emygdio: Dentre os principais impactos sociais está a inclusão socioprodutiva, sobretudo de produtores de base familiar e pequenos agricultores; descentralização da produção de cannabis para as diferentes regiões do país; estabelecimento de arranjos produtivos locais e desenvolvimento de pequenas e médias indústrias. A cannabis é uma espécie de grande versatilidade e com enorme potencial de agregação de valor. Todas as partes da planta podem ser aproveitadas e exploradas para diferentes segmentos e setores. Para se ter uma ideia desse potencial, em uma área de 4 a 5 hectares de produção de cannabis medicinal, é possível produzir extrato para atender em torno de 30 a 40 mil pacientes.
IH Repórter: Como a Embrapa pretende garantir a segurança e a qualidade na produção de cannabis?
Dra. Beatriz Marti Emygdio: A Embrapa apresenta vasta experiência no desenvolvimento de pesquisas que demandam restrições, cuidados especiais e resguardos específicos. A própria Anvisa exige uma série de cuidados e protocolos de segurança, para o desenvolvimento de pesquisas com cannabis, que deverão ser implementados e seguidos. O mesmo é válido para o controle de qualidade dos laboratórios, casas de vegetação e campos experimentais onde as pesquisas serão desenvolvidas. A Embrapa já adota protocolos de boas práticas agrícolas e boas práticas de laboratório, que são constantemente aprimoradas.
"Dentre os principais impactos sociais está a inclusão socioprodutiva, sobretudo de produtores de base familiar e pequenos agricultores; descentralização da produção de cannabis para as diferentes regiões do país; estabelecimento de arranjos produtivos locais e desenvolvimento de pequenas e médias indústrias."
IH Repórter: De que maneira a Embrapa pretende lidar com as diferentes variações genéticas da cannabis e suas respectivas aplicações?
Dra. Beatriz Marti Emygdio: O foco das pesquisas com cannabis no âmbito da Embrapa, considerando os diferentes quimiotipos, que por sua vez definem o segmento (se medicinal ou industrial), irão respeitar a missão, competência e experiência das diferentes unidades da Embrapa, o Programa de Pesquisa com Cannabis, recentemente formatado, e a aptidão climática de cada região. Esse conjunto de fatores irá definir o maior ou menor envolvimento de cada unidade nos diferentes projetos de pesquisa, sejam eles com foco em cannabis medicinal ou industrial.
IH Repórter: Quais são os próximos passos da Embrapa caso a autorização da Anvisa seja concedida para o plantio de cannabis?
Dra. Beatriz Marti Emygdio: Caso a autorização para desenvolvimento de pesquisas com a espécie C. sativa seja concedida, os próximos passos incluem introdução de material genético, abertura de editais internos para projetos de pesquisa, adequação física de laboratórios e casas de vegetação para atender as exigências da Anvisa e formalização de parcerias estratégicas.
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Possui graduação em Ciências Biológicas (Universidade Católica de Pelotas), mestrado em Melhoramento Genético de Plantas (Universidade Federal de Pelotas), doutorado em Ciência e Tecnologia de Sementes (Universidade Federal de Pelotas). Entre 1997 e 2001 atuou como docente e pesquisadora na Universidade Católica de Pelotas. Atualmente é pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa. Entre 2001 e 2005 desenvolveu atividades na Embrapa Trigo, coordenando o programa de melhoramento de milho para região de Clima Temperado, tendo sido responsável pelo desenvolvimento e lançamento de novas cultivares e linhagens de milho para o Sul do Brasil. A partir de 2006 passou a atuar na Embrapa Clima Temperado, desenvolvendo atividades na área de melhoramento genético de culturas anuais (milho e de sorgo granífero) com foco no desenvolvimento de cultivares para o ambiente de terras baixas do RS. Também coordenou projetos na área de agroenergia e sistemas de produção. Atualmente desenvolve atividades na área de melhoramento genético da batata, com foco no desenvolvimento de cultivares para mercado fresco e de cultivares para indústria de palitos pré-fritos congelados e de chips.
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Produção: INFO HEMP Studio
TAGS
InfoHemp, Cannabis, Ciência, Saúde, Embrapa, Agricultura
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